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Confira a prévia de Beije Minha Bunda - Clayton De La Vie, um dos lançamentos da Percurso.

Cheguei! E trouxe uma novidade que não é novidade nenhuma já que a nossa parceira Editora Percurso adora provocar os leitores com trchos e prévias dos seus lançamentos, sempre deixando aquele gostinho de quero mais e com um dos seus mais novos lançamentos não podia ser diferente. Dê uma olhadinha no 1° capítulo de Beije Minha Bunda - Perfil de um Assassino por Clayton De La Vie:


Nossas palavras, nossas ações e nosso modo de agir podem influenciar muito mais do que imaginamos. Crescendo em meio a brigas e humilhações provocadas por seu pai alcoólatra, Pietro tornou-se um adulto complexado, um assassino sádico que acredita fazer um bem enorme à humanidade ao subjugar vidas. O homem não poupa esforços em suas torturas e, praticamente compulsivo de sodomia, aproveita cada oportunidade para abusar sexualmente das vítimas. Na década de setenta, quando a polícia não possuía tantos recursos, até que ponto uma matança desmedida podia se estender?


Capítulo 1:

Criando um Monstro


A chuva fina começou a escorrer pelas telhas da casa ainda pelo entardecer. Pouco tempo depois, o pai, Pietro Horn Bartzen, entrou pela porta, tirou o casaco molhado e sentou-se no sofá velho. Sentia que em poucos segundos seus músculos se desmanchariam, que cada tendão fosse se fragmentar em minúsculas partículas. Olhou para a esposa, Mary Robinson, e ela, entendendo o recado, foi até a pequena geladeira da cozinha, pegou uma garrafa de cerveja e deu ao marido.

Seus pensamentos estavam voltados ao passado, lembrava-se de tempos que jamais regressariam, pois havia anos que o homem não falava como seu cabelo era bonito, ou como o seu sorriso parecia refletir a luz das estrelas. Havia muito, não dizia que ela era o amor da sua vida; se algum dia disse, aconteceu em um passado tão distante que Mary até esqueceu.

Ela não tinha muita recordação do lugar onde vivera, o que lembrava era que se mudou para Nova Vini no início da primavera dos anos quarenta. Era jovem, seus cabelos negros ainda nem apresentavam a coloração esbranquiçada típica da idade.

Pietro também mudara bastante. Nos primeiros anos de casamento, era um homem amoroso com a esposa, mal bebia, e quando o fazia era somente em festas na casa dos amigos mais próximos. O homem sempre fazia declarações de amor ao acordar todas as manhãs, levando mimos na cama. Tudo mudou com o nascimento do primeiro filho.

Depois de vinte anos de casamento, é natural que o amor se esfrie. Principalmente quando esse amor foi empurrado à força por todos esses anos.

O homem via o desprezo estampado no rosto da mulher, no entanto, não se posicionou. Mary também quase não falava, contentava-se em dar ao marido aquilo que ele pedia; afinal, se não o fizesse seria severamente punida. Pietro era rígido demais, tanto com a esposa quanto para com seus cinco filhos, em especial, com o primogênito que, fatalmente, levava seu nome: Pietro. Esse era Pietro Stanley Bartzen Jr.

Pietro sempre foi uma criança repleta de problemas; sofria com a obesidade, com problemas cardíacos e nunca foi atlético. Todavia, sempre buscou a admiração do pai. Esse, por sua vez, tinha deficiência de percepção, era guiado pelo medo de não ser bom o suficiente e de que seria ultrapassado por todos na carreira profissional. Para corrigir essa deficiência, Pietro Horn precisava mostrar que era melhor que os outros, principalmente que seu filho. Por esse motivo, Pietro Stanley jamais conseguiria a aprovação paterna. Mesmo que merecesse, o pai nunca iria mostrar ao filho que, sim, poderia ser melhor que ele um dia.

— Escuta, querido – pediu Mary ao filho, tão logo o garoto foi agredido pelo marido. – Seu pai tem uma deficiência no cérebro. Ele não quer fazer isso, tá?

— Então, por que faz? – questionou o garoto, lavado em lágrimas.

— É complicado para uma criança poder entender, querido, mas seu pai é doente – disse ela. – Tem algo na mente dele que o obriga a te bater. Seu pai não pode se controlar. Não reaja, por favor. Não o confronte. Ele sofre do coração, lembra que te disse uma vez?

Pietro assentiu.

— Se ele se estressar, o tumor em seu peito vai crescer e poderá levá-lo à morte. – Embora não parecesse certo mentir para uma criança, essa era justificativa de Mary para os abusos que todos naquela maldita casa sofriam.

Talvez Pietro Horn nunca percera que seus atos, suas atitudes paternas, teriam uma grande influência sobre o garoto. Intolerante, preconceituoso e alcoólatra. Três palavras para definir apenas um homem.

Uma das primeiras lembranças de Pietro Stanley remonta à tenra idade de quatro anos.

— Que porra você fez, garoto?! – gritou o pai, assim que reparou que o garoto acidentalmente desmanchou os componentes do motor de um carro que Pietro Horn havia montado.

— Foi sem querer... – gaguejou a criança. As palavras não saíam com facilidade, pois tinha aprendido a pronunciá-las havia pouquíssimo tempo. Mary tentava ensinar o filho, mas o pai não facilitava com sua educação. Em algum momento, quando ainda bebê, Pietro percebeu que não deveria abrir a boca, ou que só devesse abri-la para chorar e receber comida como prêmio.

As palavras do pequeno Pietro não impediram a atitude do pai, que, munido de tamanha raiva, tirou o cinto e o espancou com golpes daquele pedaço de couro. Por mais de dez vezes, as costas do menino arderam. A casa ecoava os gritos de dor, o chão fazia questão de receber as lágrimas claras que caíam. Não contente, o homem foi à lavanderia e trouxe uma vassoura; sem cerimônias, desceu o objeto sobre a criança até desacordá-la.

Pietro Stanley crescia assim: em meio a xingamentos e surras. Não compreendia muita coisa, levava a sério as palavras da mãe e jamais revidaria os golpes, jamais se oporia à agressão constante.

— Por que você roubou este caminhão, Pietro?! - inquiriu a mãe, em certa ocasião, levantando o brinquedo na altura dos próprios olhos.

— Eu não o roubei – respondeu o menino. Nessa fase da vida, aos sete anos, os seus cabelos loiros eram grandes e bagunçados. – O senhor Garrell o deu para mim.

— O senhor Garrell, da mercearia, te deu um brinquedo? – Mary abaixou-se e apoiou-se sobre os joelhos. – Escuta, querido... Este caminhãozinho deve custar uns cinco dólares. É muito dinheiro. O senhor Garrell não daria nem para o filho dele. E isso certamente fará falta.

— Mas ele me deu – insistiu.

— Eu não vou puni-lo, não sou o seu pai. Se o senhor Garrell não te deu este carrinho, devolva-o, tudo bem? – finalizou ela, beijando a testa do filho.

— Eu ouvi bem?

Ambos escutaram a pergunta e, ao olharem na direção da porta, viram o patriarca retirando os cintos. Seus olhos pareciam brilhar.

— Este merdinha anda roubando os brinquedos do senhor Garrell? – ele questionou. – Estou criando um moleque vadio, é isso mesmo, Mary?

O homem foi na direção do menino, que estava encolhido no canto da sala.

— Pietro, ele é só um menino – tentou intervir Mary, enquanto o marido segurava o filho pelo pulso esquerdo.

— Agora este bichinha também é filhinho da mamãe?! – xingava o homem, alterado.

Não se deixando levar pelas súplicas da esposa, Pietro Horn suspendeu o cinto amarronzado ao ar e o desceu nas pernas do filho. Depois nos braços, nas costas e, para finalizar, socou seu peito. Pietro Stanley caiu de quatro no chão, cuspiu sangue e deixou escapar as lágrimas. Seu choro ecoou pelas paredes finas, enquanto a mãe o acolhia em seus braços e o marido se dirigia para o quarto.

Pietro Horn tinha repúdio a políticos e detestava os homossexuais. Os xingamentos envolvendo “maricas” e “bichinha” sempre estavam presentes nas brigas entre pai e filho. O pai fazia questão de humilhar o garoto. De tanto que o fazia, todos poderiam pensar que era um esporte, que esse era seu único jeito de ser feliz. Talvez esse pensamento não estivesse tão errado. Provavelmente, inferiorizar alguém que tentava somente agradá-lo realmente o fazia feliz.

Apesar de ter uma relação conturbada com o pai, Pietro Stanley o amava profundamente e desejava conseguir sua aprovação e devoção a qualquer preço. Nem que fosse preciso chamar sua atenção para algo grandioso, ou que ele, em sua condição de criança, considerasse grandioso.

Quando Pietro Stanley tinha apenas sete anos, o pai, Pietro Horn, foi informado de que o filho tinha sido pego com outro menino acariciando uma jovem. Como castigo, o garoto foi chicoteado com uma strop navalha . No mesmo ano, Pietro Stanley foi molestado por um amigo da família, um fazendeiro que o levava para passeios de caminhão e aproveitava para acariciá-lo. O pequeno nunca contou à família sobre as diversas situações às quais fora submetido, pois sabia que o pai iria pôr a culpa nele. Porque imaginava que Pietro Horn diria que o bichinha foi procurar um homem... e ainda o espancaria.

Devido a problemas físicos, Pietro Stanley se mantinha longe dos esportes, o que, não raramente, se tornava motivo de piadas das crianças do seu colégio. Aos onze anos, teve a infelicidade de bater a cabeça contra a parede, gerando um coágulo sanguíneo que só foi descoberto cinco anos depois. Durante esse período, teve diversos apagões – erroneamente classificados como ataques epiléticos – e precisou de hospitalizações. Graças a isso, pôde ser diagnosticado corretamente e tratado com medicamentos.

— Doutor, não fode com a minha cara! – dizia Pietro Horn. – Esse marica de merda quer chamar a atenção, e o senhor vem com uma porra dessas pra cima de mim? Coágulo sanguíneo, que merda é essa?

— Senhor Bartzen, acalme-se. – tentava intervir o doutor. – O pequeno Pietro está mesmo doente. Os coágulos sanguíneos são formados pelo endurecimento do sangue. Os fatores para esse processo são diversos. Geralmente ocorre quando os vasos sanguíneos são lesionados ou rompidos.

— Porcaria de hospital, hein?! Vocês, formados na puta que pariu de uma universidade, ainda não conseguem perceber quando uma criança está só querendo chamar a atenção?! – revoltou-se o homem.

Nesse instante, entrou no quarto em que o filho estava acamado. Analisou-o por alguns segundos e tornou a falar:

— Quando você vai parar com essa mentira, seu bichinha?

Pietro Stanley não respondeu, afinal, estava dormindo naquele momento, e seu pai falava sozinho. Sua mãe, Mary, e os seus irmãos nunca deixaram de acreditar que a doença do menino era real.


*****


Apesar de todos os problemas que tinha com o pai, o homem que deveria segurar sua mão e lhe mostrar o melhor caminho, Pietro Stanley tinha muitos amigos e, também, os amava. Na escola sofria o que hoje chamamos de bullying, era alvo constante de zombaria por não ser atlético, por não possuir um corpo magro o suficiente ou por não ser um aluno exemplar, no entanto, mesmo com tantos problemas, ainda tinha pessoas a quem pedir apoio. Richard Gale era uma delas.

— Estou falando, Rick... Christine gosta mesmo de você. Deveria levá-la ao baile, este ano – insistiu Pietro, enquanto o amigo o acompanhava pelo caminho de casa.

Todas as tardes, sempre que voltavam da escola, Pietro insistia na ideia de que alguma menina gostava do amigo. Era a sua maneira de vê-lo sorrir; afinal, o garoto, assim como ele, passava uma situação desconfortável com a família.

Seu pai tinha morrido dez anos antes, e a mãe, para conseguir sustentar o filho que ainda era bebê, sujeitou-se à prostituição. Era a única forma de arrecadar dinheiro, pois, embora jovem, a mulher se dedicava somente aos trabalhos domésticos. Como as mulheres da região também sempre foram movidas do pensamento de que a função do sexo feminino era cuidar do marido e dos filhos, não havia a necessidade de empregadas. Como opção, uma boate estava sempre com as portas abertas. Em decorrência dos anos, e por influência da freguesia, Cassie se tornou alcoólatra e foi internada por muito tempo. Porém, recuperada, voltava às práticas que envolviam sexo, música alta e uma boa dose de gritos e gemidos. Há uma semana estava de cama devido a uma bactéria que se alojou na vagina.

— Você tá maluco, cara. A Christine é namorada do Relles, aquele cara do time de basquete. Nem deve saber que eu existo – resmungou Richard.

— Como não? Eu os vi juntos na biblioteca.

— Juntos?! Só pode estar de brincadeira. Coincidentemente, nós iríamos pegar o mesmo livro. E eu deixei que ela o levasse.

— Coincidentemente – repetiu Pietro, fazendo sinais de aspas no ar.

— Olha só, os frutinhas voltando da escola. — Ambos puderam ouvir em alto e bom som.

Virando os rostos, contemplaram a imagem de três garotos. O primeiro, que vinha mais na frente e que provavelmente os xingou, era forte, de ombros largos, cabelos negros, olhos claros e nariz em formato de bola. Usava uma calça preta que contrastava diretamente com a camiseta e com o sapato brancos. À sua direita, vinha um garoto alto, de cabelos ruivos, olhos esverdeados e nariz extremamente fino, cheio de sardas pelo rosto. Suas roupas eram em tons claros de azul. À esquerda, um menino muito parecido com o anterior; a exceção era o seu nariz que, ao contrário do irmão, era achatado. Suas roupas também tinha o tom azul em predominância.

— Chegou o clube dos babacas! – Pietro falou, assim que observou os garotos.

— Do que você nos chamou, seu bicha?! – enfureceu-se o primeiro, indo em direção a Pietro.

— Babacas. É isso o que vocês são, Gerard – interveio Richard, colocando-se entre Pietro e Gerard.

Nervoso, Gerard agarrou Richard pela camiseta e fitou fundo em seus olhos. Os dele estavam em chamas.

— Quer morrer, garoto? Hein?! – inquiriu.

Tão logo fechou a boca, Pietro surgira pelo seu lado esquerdo e dera um chute em sua perna. Gerard soltou Richard, enquanto colocava a mão sobre a área atingida, e os meninos começaram a correr pela rua.

— Não fiquem parados aí, idiotas. Peguem aqueles otários – berrou Gerard para os irmãos.

Tendo tomado distância, enquanto todos corriam, Pietro olhou por cima do ombro e avistou as sombras dos gêmeos que os perseguiam. Fez sinal para que entrassem em um beco, e se esconderam. Mantiveram-se ali, no meio das sombras e lixo, até que ouviram os passos dos garotos passando direto.

— Amanhã esses moleques não vão nos deixar em paz – observou Richard, enquanto saía do seu esconderijo.

— Relaxa, Rick, eu te protejo.

Ambos caíram na gargalhada. Era engraçado pensar na possibilidade de Pietro agredindo alguém; ele sempre se mostrava muito dócil, raramente se alterava. E, quando o fazia, não durava muito.

— Vadiando por estas bandas, moleque? – questionou Pietro Horn, assim que identificou o filho.

Ninguém tinha sentido sua presença até que a voz surgiu por sua garganta. Pietro Stanley, o filho, e Richard, o amigo, olharam para o homem que falava; e, no mesmo instante, a pesada mão do pai caiu sobre o rosto do garoto.

— Sua mãe deve estar preocupada com você. Não era hora de estar em casa, moleque? – perguntava, enquanto batia no filho.

— Se acalme, senhor Bartzen, nós estávamos voltando da escola. Viemos parar aqui porque... – explicava Richard.

— E quem é este? Seu namorado, sua bichinha?! Hein?! – interrompeu o homem, nervoso.

Pietro não respondeu, apenas pôs os braços na frente de si para evitar as agressões.

— Para de fazer isso com ele! – gritou Richard.

— Quem é você para me dizer como tratar o meu filho, seu merdinha?! – seus olhos pareciam chamas.

— Rick, por favor... – limitou--se a dizer Pietro Stanley.

— Rick? Richard Gale? – Riu o homem. – Você está namorando o filho da puta?!

Os olhos do garoto se inundaram de lágrimas. Ele sabia que o emprego que a mãe mantinha até aquele dia foi para que ele pudesse comer, estudar... ter um futuro. Era doloroso saber que Richard era o motivo de tamanha humilhação pela qual sua mãe passava. Foi justamente por isso que ele resolveu trabalhar também, alguns dias antes, como atendente de padaria.

Enquanto observava o homem diante de si, todos seus problemas vieram à cabeça, todos os sentimentos, que o amigo fazia questão de trancar com suas palavras doces, se libertaram. Richard ergueu o peito, seus olhos ainda estavam marejados, e então bradou:

— Mil vezes ter uma mãe puta do que um pai viado!

Ambos os Pietros ficaram atônitos com as palavras do garoto. Richard não acreditava que Pietro pai fosse gay, mas ele conhecia o seu desgosto pelos que eram. Portanto, compará-lo a um o desarmaria. O ataque se mostrou positivo e, enquanto o homem nada falava, Richard foi embora. Antes, deu um tchau breve para o amigo, que provavelmente seria alvo de mais humilhações em sua casa.


*****


— Você não deveria ter dito aquilo ao meu pai ontem, Rick.

— Ele te bateu mais, não foi? Aquele velho gordo! – indignou-se Richard.

— Não. – Riu o outro. – Mas tenho certeza que fará algo depois.

— Relaxa, Pietro, eu te protejo – repetiu a frase que o amigo falou na tarde anterior, e ambos riram. A cumplicidade dos dois era admirável. Nada deixava de ser contado. Talvez fossem mesmo namorados; afinal, já diziam os sábios que namoro não envolve sexo, não envolve beijos. Namoro envolve confiança. E isso não faltava naquela relação.

— Estou pensando em entrar para o Partido Democrata – confidenciou Pietro.

— Política? Não sei... – falou Richard. – Você foi diagnosticado recentemente com uma doença cardíaca, não é muito para o seu coração?

— Claro que não. Afinal, os médicos nem souberam que doença é essa. Não deve ser nada grave.

— Isso vai enfurecer o seu pai.

— Eu sei. – Nesse momento, lançou um olhar ardiloso para o amigo. — Mas não pensei em nada disso.

Fatalmente, assim que o jovem se envolveu com a política, trabalhando como chefe de seção assistente para o Partido Democrata, gerou ainda mais revolta em seu pai, que falava que o filho era um bode expiatório. Desde que se lembrava por gente, Pietro Horn odiava política. Não se sabia ao certo o motivo. No entanto, aqueles que o conheceram poderiam jurar que essa revolta tinha ligação com sua mãe, que fora vereadora e o abandonara ainda criança.

As brigas se acalmaram a partir desse período da vida do rapaz. Em parte, porque mal parava em casa; trabalho sempre foi algo que lhe ocupava muito tempo, e ser líder de uma seção assistente era trabalho em dobro. Mas também porque o pai reconhecia, em alguns breves momentos, o esforço que o filho fazia e que ele se tornara um homem. Quando Pietro Stanley se tornou um candidato do Partido Democrata, houve uma pequena festa entre os parentes mais próximos. Sua mãe, emocionada, abraçava-o entre os seios, suas tias, que moravam na mesma rua, repetiam a ação. O pai, entretanto, se contentou em apenas dar-lhe um aperto de mãos.

— Vem comigo, tenho uma surpresa para você – pediu ele, saindo da casa.

O jovem não poderia imaginar o que estava por vir. Na verdade, ele pensava que ali, no meio da rua, o pai novamente lhe encheria de pancadas por se afiliar a um partido. Contudo, assim que saiu, seus olhos contemplaram um belo Oldsmobile preto. O pai batia no capô do carro, enquanto o filho levava as mãos à cabeça, emocionado. Aquele era o melhor presente que alguém poderia lhe dar, e estava vindo justo dele, do homem que tinha como esporte espancá-lo.

— É seu – informou o pai, assim que o rapaz se aproximou.

— Parece um sonho – Pietro Stanley passou a mão pelo capô, analisando-o. Depois, virou-se para o pai e abraçou-o forte. – Obrigado, pai.

Mary, da soleira da porta, chorava de emoção. As tias, que se empurravam logo atrás para poderem ver, também deixavam suas lágrimas claras cair sobre o rosto.


*****


— Cara, não acredito que você tem um Oldsmobile agora! – animou-se Richard, assim que soube da novidade.

— Sim, mas terei que pagar as prestações ao meu pai. Ele precisou fazer alguns empréstimos e, caso eu não consiga pagá-lo, vai pegá-lo de volta, vendê-lo e quitar o banco.

— Isso não importa agora. Você tem um Oldsmobile! Sabe como isso chama a atenção... das garotas? – Sorriu, enquanto dava uma leve cotovelada no braço direito de Pietro.

Pietro não tinha certeza se desejava atrair a atenção das garotas, ele se preocupava em agradar apenas ao amigo. A sua companhia era importante, a dos outros, não. Ele não tinha certeza dos sentimentos que cultivava em relação a Richard. Talvez o amasse mais do que imaginava, talvez não. Provavelmente, por ser o seu ombro de apoio nos momentos difíceis, Pietro tivesse desenvolvido sentimentos mais profundos. Mas não sabia classificá-los. Nem conhecia direito a definição da palavra homossexual; ponderando sobre como o pai falava, devia ser algo muito ruim. E ele não queria ser algo ruim.

— Sim, chamar a atenção das garotas – respondeu, vagamente.

— O que houve? Você parece...

— Nada, foi impressão sua.

— Você não está bem, Pietro. Tem alguma coisa te incomodando. Vamos, cara, sou seu amigo, sabia? Eu vou entender.

— Não, não vai – soluçou Pietro.

— Diga, o que você tem? – perguntou Richard, aproximando-se e tocando em seus ombros.

— Eu... – a frase não saía com facilidade, mas precisava ser dita – te amo.

O coração do garoto bateu mais acelerado após a pronúncia das palavras, parecia que o tempo ao seu redor havia parado. As vozes dos pássaros que estavam no parque sumiam lentamente, enquanto Pietro podia apenas olhar para o rosto bronzeado à sua frente. Ele não esperava que o rapaz entendesse, não esperava retribuição, no entanto sentia que morreria se prendesse a confissão no peito.

Richard afrouxou os dedos que seguravam os ombros do Pietro, deixou que eles tateassem suas costas e o puxou para perto de si. Um beijo demorado foi sua forma de dizer que reconhecia o sentimento do outro e também de elucidar que o sentimento era mútuo, que, sim, o amava... Que o queria desde que se conheceram, que esperou por anos o contato que tinham naquele instante... Que ansiou em sentir a ternura daqueles lábios finos.

— Você sabe que não podemos ficar juntos – disse Richard, ao desgrudar seus lábios dos de Pietro.

— Eu só queria dizer que te amava. Um dia, encontraremos um jeito.

Ali, no parque, os rapazes trocarem seus beijos demorados, abraçaram-se e encararam-se até o anoitecer, quando resolveram ir embora. Aquela tinha sido a melhor tarde da vida de Pietro desde então. Ele queria se manter ali, fitando nos olhos verdes de Richard, que agora nem sabia o que era seu. O jovem sabia que não podiam assumir um relacionamento, que aquela tarde juntos eventualmente não voltaria a acontecer, mas estava feliz, radiante.

Nos meses que se seguiram, ambos não comentaram com ninguém sobre tudo o que aconteceu no parque, mas se encontraram lá diversas vezes. Pietro fazia questão de gastar dinheiro com presentes para o namorado, e esquecia-se do financiamento do carro. Resultado: deixou de pagar.

Em uma tarde, nervoso, Pietro Horn confiscou o molho de chaves e retirou a tampa do distribuidor do veículo, retendo o componente por três dias. Em resposta, tão logo o componente do carro foi devolvido, o filho partiu para Madre de La Torre, onde peregrinou por diversos empregos, inclusive de atendente de necrotério.

— Olha, filho, aqui não gostamos de moleza – avisou o dono do estabelecimento.

— Não terá, senhor. Eu era chefe de seção assistente, em Nova Vini – esclareceu o rapaz.

— Ótimo, a vaga é sua – disse o homem, virando as costas.

— Mas eu não tenho para onde ir, será que...

— Aqui não é hotel, garoto. Se quiser, poderá dormir atrás do quarto de embalsamamento. Eu improvisarei uma cama para você.

— O senhor é muito gentil, obrigado. – Realmente, Pietro estava agradecido. Não era raro as pessoas negarem abrigo naquela época, na cidade grande a negação era sempre acompanhada de xingamentos.

Conforme os dias iam passando, Pietro ficava mais contente com sua função. Felizmente, os negócios iam de vento em popa; as pessoas estavam morrendo demais, e isso alegrava o dono da funerária, Oliver. Certamente não alegrava as famílias, mas elas eram reconfortadas pelas palavras doces do menino.

Pouco antes de dormir, Pietro observava os outros funcionários embalsamarem os corpos. Aproveitando que estava sozinho em uma noite, subiu no caixão de um adolescente falecido, o abraçou e o acariciou. O emprego ali foi mantido por apenas oito meses, e Pietro regressou para casa.


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